quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Saudade


A flor igual as que se espalham pelo quintal da casa da minha avó

A palavra título deste texto tem apenas sete letras, mas o significado dela é tão grande. Nem caberia em um milhão de linhas. Hoje estou com saudade de tanta gente que já não tenho aqui do meu lado fisicamente, porém cada uma delas tem lugar na minha memória.

Sem lançar um olhar religioso sobre a morte, não a vejo como o fim de uma pessoa. Se se deixa de existir como um corpo que carrega toda a carga genética da raça humana, fica a história que cada um constrói.

Histórias que contam alegrias, tristezas, amores, dores, filhos, festas, lutas, carreiras, sonhos, frustrações, lições, famílias, amigos, viagens, pôr do Sol, lua cheia, legado. Tudo isso posto em um livro chamado vida torna a passagem por esse mundo uma experiência única.

Ainda sinto o cheiro do bolo de mandioca que a minha avó fazia no forno a lenha que ficava no fundo da casa dela. O local era simples e cercado de muito verde. A casa de madeira ficava em um imenso terreno bem ao lado da linha férrea que cortava a área periférica de Adamantina, cidade paulista na qual nasci.

O bolo de mandioca era delicioso. Ele era uma das atrações da casa da minha avó. Ela servia o bolo junto com um copo de café bem forte e doce. O café era moído por ela e nunca mais tomei uma bebida como aquela.

Lembro da cozinha da casa dela. Era um pouco escura e abrigava algumas panelas de ferro. Fecho os olhos e vejo o tacho de banha de porco e a grande colher de madeira que servia para mexer os ingredientes das receitas que eram elaboradas no fogão a lenha.

Minha avó morreu há pouco mais de 11 anos. Era uma mulher de baixa estatura, não tinha mais que 1,55 metro de altura. Tem uma parte da família que carrega essa característica genética. Minha mãe está na ala das “baixinhas”. Isso explica meu 1,61 metro de altura.

Dona Jasmelina, Josmelinda, ou apenas vó, tinha uma personalidade marcante. Nasceu em Alagoas e depois da morte do pai mudou-se com a mãe e vários irmãos para o interior de São Paulo. Ainda jovem conquistou o coração do meu avô Armando.

A pequena morena ganhou o amor do belo loiro dos olhos azuis da cor do céu. O casamento logo veio e os primeiros filhos também. Mas o sangue italiano de meu avô e a valentia dos nordestinos que forjava o comportamento da minha avó deixavam a relação deles bem tensa. Com os anos de convivência e os constantes desentendimentos, eles se perderam um do outro.

Minha avó teve 11 filhos, mas alguns morreram ainda pequenos. Ir a casa dela era uma obrigação semanal dos netos e dos filhos e filhas. Tínhamos responsabilidades a cumprir com ela e os nossos bichos de estimação.

Desde pequeno cada um dos netos ganhava uma galinha ou frango de presente. Sempre íamos dar uma olhada nos pobrezinhos, que passavam o dia ciscando pelo imenso quintal da casa. Antes de matar a ave, que seria servida em um jantar ou almoço, minha avó avisava o neto que era proprietário da galinha ou do frango. Talvez, aí resida o meu trauma com aves. Não como carne de nenhum tipo de ave.

Minha avó era vaidosa. Nunca soube a exata idade dela. Quando morreu, descobri que minha avó estava com apenas 68 anos. Dona Jasmelina gostava de ficar com o cabelo bem arrumado. Pintava os fios com cuidado. Mas nos seus últimos anos de vida, ela já estava com problema de queda excessiva de cabelo. Lembro que os fios eram finos, assim como os meus.

Mesmo diabética, ela não se furtava de alguns prazeres da vida. Um deles era um copo de vinho diariamente. Outro era dançar. Gostava de ir aos forrós. Ela teve um problema grave nas pernas que quase levou a amputação de uma delas. Nem a enfermidade a fez desistir dos bailes.

Poucos dias antes de morrer, na madrugada do dia 22 de maio de 2000, ela havia combinado com uma vizinha que iria ao forró no final de semana. Não deu tempo. Dona Jasmelina teve uma crise de asma e o corpo debilitado por uma pneumonia não aguentou.

Deixou netos, bisnetos, filhos, amigos, meu avô Armando e a saudade que me faz sentir agora o cheiro do bolo de mandioca. A saudade brinca comigo me levando aos meus anos de infância. Dona Jasmelina não está fisicamente, mas sempre reconto dentro de mim a sua história que faz parte do livro da minha vida.

Há várias outras saudades no meu livro. Tem uma que ainda é dor: Paulo Martinelli. Quantas vezes, sentada na minha cadeira no jornal, parece que ouço a risada dele. Ontem, fui na cantina bem na hora que os famosos pastéis, que ele tanto apreciava, estavam fritando. Inevitável não lembrá-lo. Mas hoje não consigo escrever com tanta desenvoltura sobre o companheiro de trabalho. Ainda sinto raiva da nave-mãe que o levou tão cedo.