sábado, 31 de dezembro de 2011

Das sementes às flores e frutos


O Armandinho é um dos felinos mais carinhosos da minha casa
 Acordei hoje com um dos gatos, o Armandinho, um pretinho lindo e faceiro, pulando na minha barriga e tocando a patinha no meu rosto pedindo o papá da manhã. O relógio marcava 5h30. Todos os dias os 18 gatinhos reclamam o primeiro prato de comida nesse horário.

Sou sempre o alvo das solicitações. Eles sabem que vou levantar e atender a vontade dos bichanos. Se ao olhar os ponteiros do relógio penso que poderia dormir mais um pouquinho, acordar tão cedo também me traz vantagens. Uma delas é ter disposição para ir a academia e cuidar da minha saúde.

Em 2011, uma semente que plantei há dois anos, e floresceu bonita e forte este ano, foi o zelo com a minha saúde. Intensifiquei as minhas idas a academia e as caminhadas. O resultado do meu esforço foi ter mais disposição para viver. Cheguei aos 40 anos me sentindo como nos 20 anos.

Os exercícios contínuos fortaleceram os meus braços e as dores no ombro direito que tanto me incomodavam diminuíram muito. Outra vantagem é manter o corpo em dia. Claro que há um preço: levantar cedo da minha caminha quente e aconchegante. Mas ganho tanto em ver o Sol nascendo; em brincar com os felinos que correm felizes pelo quintal nas primeiras horas do dia; e em apostar nos cuidados comigo.

O ano que termina hoje também me levou de volta aos bancos escolares. A proximidade com o professor da Unicamp Orlando Fontes Lima Júnior me proporcionou continuar a adquirir conhecimento. A experiência foi muito gratificante. Quero intensificar a parceria para que possa contribuir mais com o laboratório que tem a frente o acadêmico, que além de ser um excelente profissional é uma pessoa receptiva. A equipe do Lalt também reflete o espírito impresso por Orlando.

Espero que essa semente que foi plantada em 2011 dê bons frutos no próximo ano. A troca de experiências e conhecimento sempre traz benefícios e ganhos para todos. A academia tem muito que acrescentar a profissionais que estão no mercado de trabalho. Na outra ponta, quem atua na minha área pode trazer novas visões ao dia a dia de quem está na universidade. A parceria é bem-vinda.

Ideias que surgiram este ano no campo profissional são sementes que darão origem a novos desafios em 2012. O jornalismo é uma profissão que apresenta inúmeras possibilidades. Não abro mão de ser repórter, mas fazer novas experimentações agrega valor ao meu trabalho e me enriquece.

Mais uma vez, as parcerias serão fundamentais. Tirar do papel as ideias e transformá-las em realidade é uma das grandes tarefas que tenho no próximo ano. Novos projetos oxigenam e trazem um ânimo à vida. Minha cabeça é tão sonhadora e fervilha com inúmeros planos. Chegou a hora de ultrapassar o limite da minha “cachola” e dar asas às minhas inquietações.

Uma semente que venho cuidando com carinho há quase dois anos é meu novo teto. Ele está quase pronto. Ficou tão bonito. É simples, mas cada detalhe ganha atenção especial. Ter um espaço para mim era um desejo antigo, que pouco a pouco fica mais real. A residência oficial da Leite será também um cantinho para receber amigos e amar.

Meu avô Armando não tem destino e nem parada
No ano que termina, recebemos novamente a visita do meu avô Armando. Ele estava bem melhor do que em 2010, quando veio para casa se curar de um ferimento grave na perna. Meu avô é realmente uma figura. Nunca vi uma pessoa com 87 anos com tanta disposição e tão lúcido.

Ele chegou a Campinas um dia após o meu aniversário de 40 anos, em 5 de novembro. Lembro dele carregando a sua malinha, com uma disposição que dava inveja a muitos jovens. Seo Armando viajou a noite toda entre Adamantina e aqui e, mesmo assim, queria contar tudo o que fez durante o ano e também queria saber das novidades da minha casa. Ficou quase um mês conosco e depois bateu asas novamente.

Como ele não tem destino e nem parada, ficou 15 dias na casa das filhas, que teve em um segundo casamento e moram em Brasília, e pegou de novo a sua malinha. Agora está em Tocantins. Peço sempre aos céus que o proteja e lhe dê muita saúde. Independente da história de vida que ele escreveu, e foi marcada pela ausência da família, gosto muito dele.

Em casa, a vida transcorreu entre a tranquilidade e os sobressaltos. Nada de anormal. A vida familiar é assim. Fico feliz que todos estejam construindo o caminho para realizem os seus sonhos. Sou muito abençoada com os meus pais e minhas irmãs. E agradeço aos céus pela saúde de todos, especialmente do Seo Francisco, meu pai. Recordar de todas as suas dificuldades de saúde e poder tê-lo ao lado todos os dias é meu maior presente.

Meus mimos estão cada vez mais lindos. A Lika, cachorra que foi adotada no ano passado, é terrível, só que sem ela a casa não teria graça. Mas tivemos perdas irreparáveis como a Sofia, nossa bela “loirinha” dos olhos azuis, e a Violete, vira-lata que foi maltratada na rua e nós cuidávamos. Consegui curá-la, com muito esforço, da doença do carrapato e de uma sarna que destruía o seu corpo. Só que ela sucumbiu ao ser atropelada. Ficou a sua companheira de rua, uma cachorra preta linda, que sempre cuido com muito carinho.

Fortaleci a minha amizade com pessoas importantes para mim. Acrescentei novos colegas à minha lista de pessoas queridas e reencontrei antigos amigos. Tenho certeza que muitas dessas sementinhas vão dar frutos e flores especiais. A vida é feita de escolhas e companhias. Não dá para caminhar sozinho. Ter familiares, amores e amigos é um dos alicerces que me fortalece.

O coração enfrentou inúmeras tempestades, mas agora navega por águas tranquilas. Ele aprendeu que é hora de apostar em amores reais e recíprocos. Ele está à espera de um novo porto seguro. Quem sabe logo ele encontre um corpo e alma carinhosos?

Mas o coração carrega uma tristeza neste ano: a morte do Paulo Martinelli. Mais do que um companheiro de trabalho, ele era um grande amigo para quem convivia diariamente com aquele homem alto, magro, que gostava de contar as histórias de Sousas e do Rio Atibaia. Nunca vou esquecer de seu jeito muitas vezes ranzinza, mas que sempre tinha uma tirada na ponta da língua.

Saudade do homem que falava de ciência, astros, mares, elétrons e outros temas que envolvem assuntos complexos. Lembro dele sentado no banquinho lá fora da redação com uma blusa de manga longa e uma touca na cabeça no dias mais frios. Ele não dispensava o cigarro, o pastel da cantina e a Coca-Cola.

E as histórias pessoais. Quem sentava próximo dele sabia exatamente quem era a sua mãe, a Isabela (sua esposa), os filhos, o neto e o irmão (cientista famoso). Nunca fui à casa do Martinelli, em Sousas, mas conheço cada detalhe do local de tanto ouvi-lo falar com orgulho do seu cantinho.

Ainda não consigo acreditar que o Martinelli se foi naquele dia 18 de agosto. A nave-mãe foi muito egoísta ao levá-lo com ela. A gente só percebe a importância das pessoas na nossa vida quando elas partem, definitivamente. Martinelli foi um companheiro de trabalho e um amigo que ouvia, reclamava, ria, chorava, cuidava. Muita saudade dele.

2011 foi um ano muito bom. Minha promessa de ano novo é fazer de 2012 ainda melhor. Vou cultivar com carinho todas as minhas sementes. Quero que delas nasçam frutos e flores que materializem os meus sonhos e planos.

2012: mais uma chance para amar, aprender, evoluir espiritualmente e ajudar a construir um mundo melhor.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Os natais da minha infância

Saudade dos natais da minha infância. A chegada do final de ano era sempre tão especial. E o motivo não era o trenó do Papai Noel cheio de presentes. Sou de uma família humilde e nunca fomos crianças que tivemos uma árvore de Natal com mil regalos.

Mas a árvore de Natal tinha tantas cores. Um dos motivos pelos quais o final de ano era tão aguardado era a montagem da árvore. Em casa, tínhamos um pinheiro que ganhava bolinhas de vidro de várias cores, enfeites dos reis magos, estrelas, o menino Jesus, palhaços e outras figuras. O arremate final, para imitar a neve, era feito com algodão.

Tínhamos orgulho dela. Eu e minha duas irmãs sempre ajudávamos minha mãe a montá-la. Era uma diversão. Queríamos que ela ficasse mais bonita que no ano anterior. O problema era que alguns enfeites de vidro quebravam. Quando era possível, meus pais os substituíam por peças novas.

O pinheiro ficava plantado em uma lata de alumínio. A lata também ganhava uma nova roupagem no final de ano. Ela era encapada com papel especial. Ano a ano, o pinheiro crescia e se tornava mais imponente. Cada galho novo era uma parte da história da minha família.

No dia 6 de janeiro, data em que se comemora o Santos Reis, nós desmontávamos a árvore. Guardávamos com cuidado os enfeites e as bolinhas. Como sempre tivemos animais (gatos e cachorros), várias peças eram destruídas durante o tempo em que a árvore permanecia na sala da minha casa.

Antes de nos mudarmos de Adamantina para Campinas, em meados dos anos 80, o pinheiro saiu da sua prisão de lata e suas raízes tocaram o chão abençoado por Deus. Nunca mais o vi, mas espero que ele esteja firme até hoje com toda a sua exuberância. Ele é parte da minha vida.

Outra doce lembrança que tenho dos natais da minha infância é o cardápio da época. No mundo atual, os menus têm toques requintados. No pequeno mundo em que vivíamos não existia nada disso.

Na mesa de Natal, frango caipira, leitoa, saladas com verduras e legumes tirados ali da horta de casa ou lá do terreno da minha avó, uma torta, doces caseiros, maionese de legumes, carne assada ou churrasco, farofa e mais algumas guloseimas de engordavam muito.

Às vezes, íamos na casa da minha avó. Em outros natais, ficávamos na casa da minha tia Carmita, irmã do meu pai. E em muitos anos ficamos na nossa casa. Morei em casas pequenas e em outras bem maiores. Habitamos em tetos de madeira e de alvenaria. Porém, todos eles tinham quintais com árvores frutíferas e jardins.

Natal também era uma época de receber visitas. Minha madrinha que mora em Bauru, vez ou outra, ia passear em Adamantina. Uma pessoa sempre aguardada, mas que nem sempre comparecia, era meu avô. Seo Armando era e continua sendo um ser errante; sem parada ou destino.

A imagem que eu mais tenho dele de quando era pequena é justamente o Seo Armando chegando no final de ano com sua camisa de manga curta e calça social clara. Os cortes sempre muito bem feitos. Ele usava um chapéu de palha bem desenhado e não dispensava que beijassem sua mão e pedissem benção.

Ai de quem não se envergasse, beijasse a sua mão e pedisse benção. O neto ou filho que não lhe concedesse tal tratamento era considerado sem educação e era fuzilado por um olhar reprovador.

Meu avô demorava muito tempo para aparecer em casa. A sua aparição no Natal era um presente. Naquela época eu nem percebia isso. Hoje, com o peso da experiência e sabendo dimensionar a exata importância que as pessoas têm na minha vida, vejo que a chegada dele no final de ano deveria ser motivo para uma celebração. Pena que durava tão pouco.

Outra tradição do final de ano era a limpeza geral da casa. Leia-se: uma faxina que desmontava toda a casa e depois tudo era devidamente colocado no lugar. Lembro que minha mãe fazia a gente esfregar as paredes com uma bucha. Tudo tinha que ficar branquinho. Se tivesse uma só sujeirinha, tinha castigo. Esse foi um dos poucos costumes daquela época que até hoje ainda acontece todos os anos em casa.

Na minha infância, a televisão e os apelos publicitários não pautavam os desejos das crianças no Natal. Como minha família não tinha posses, nossos sonhos eram tão simples. Bonecas de plástico, panelinhas de plástico, jogos de xícaras de plástico, petecas, quebras-cabeça, jogos de dominó, bichos de pelúcia. E nem sempre meus pais tinham como comprar um brinquedo.

Não se pode esquecer que também era necessário providenciar roupa nova e sapatos. Tudo era simples, mas meus pais faziam questão de deixar nós três (eu, Ana Cristina e Ariane Fernanda) bem arrumadas. Lembro da minha primeira melissinha. Imagina só. Ganhei uma daquelas sandálias de plástico e me senti a menina mais bonita do mundo. Já tinha uns oito ou nove anos.

A primeira bicicleta veio um pouco depois. Meu trabalhava em São Paulo, em uma autopeças que fornecia produtos para uma grande montadora da região do ABC. Ele ia uma vez a cada 15 dias para casa. Os presentes nessa fase foram os mais sofisticados.

Mas, a despeito dos presentes, adorava a alegria do Natal. As pessoas sempre rindo. Muita música. Os adultos dançavam, cantavam, bebiam, conversavam. A mesa tão farta. A missa do Galo na Igreja Matriz. A reza antes da ceia. A lembrança do menino Jesus e o significado dele naquela noite.

As crianças brincavam, brigavam e caiam mortas de sono em um sofá ou na cama. Chegar à meia-noite era uma tarefa difícil. Ainda mais para quem vivia em cidade pequena e dormia com as galinhas.  

Dormir também significava esperar que o Papai Noel se lembrasse de que cada um de nós tinha sido um bom menino ou uma boa menina. Delícia era acordar logo cedo para ver o presente e sair correndo para o quintal. Não interessava se o brinquedo era simples. Valia mesmo é a satisfação de ser lembrado e querido.

Embora tudo isso tenha se passado há tanto tempo, ainda sinto a alegria daquelas noites e daquelas manhãs do dia 25 de dezembro. Lógico que nem todos os natais tiveram esse brilho. Porém, hoje sei dar valor a cada um deles – alegres ou com as dores da vida.

Já adulta, quando meu pai adoeceu, recordo da tristeza de vê-lo tão debilitado. Lembrava dele em outros tempos cheio de vida, cantando seu sambinha do Benito di Paula, Almir Guineto ou do Agepê. Ainda assim, vejo que esses natais foram abençoados porque meu pai mesmo carregando sua pesada cruz estava conosco. E ainda continua.

Hoje a vida é diferente. Nem penso em presentes, apesar deles serem parte da festa, e me sinto tão abençoada. Os percalços da vida me fortalecem e servem para que eu me lembre que tenho uma família maravilhosa, amigos tão carinhosos, saúde e sonhos. As alegrias só reforçam a certeza de que o bem é o melhor alicerce para construir a vida.

Os natais da minha infância serão sempre muitos especiais para mim. Cada detalhe deles me ajudou a entender que as boas vibrações dessa época não devem ficar circunscritas ao final de ano. Resgatar diariamente os valores difundidos no Natal é o caminho para vivê-lo o ano todo.

Viva a paz, o amor e o bem. Sentimentos nobres devem ser praticados todos os dias, apesar das turbulências, da natureza humana tão individualista e de um mundo cada vez mais conflituoso. A tarefa é complexa, mas é nela que se resume a nossa existência.      


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Saudade


A flor igual as que se espalham pelo quintal da casa da minha avó

A palavra título deste texto tem apenas sete letras, mas o significado dela é tão grande. Nem caberia em um milhão de linhas. Hoje estou com saudade de tanta gente que já não tenho aqui do meu lado fisicamente, porém cada uma delas tem lugar na minha memória.

Sem lançar um olhar religioso sobre a morte, não a vejo como o fim de uma pessoa. Se se deixa de existir como um corpo que carrega toda a carga genética da raça humana, fica a história que cada um constrói.

Histórias que contam alegrias, tristezas, amores, dores, filhos, festas, lutas, carreiras, sonhos, frustrações, lições, famílias, amigos, viagens, pôr do Sol, lua cheia, legado. Tudo isso posto em um livro chamado vida torna a passagem por esse mundo uma experiência única.

Ainda sinto o cheiro do bolo de mandioca que a minha avó fazia no forno a lenha que ficava no fundo da casa dela. O local era simples e cercado de muito verde. A casa de madeira ficava em um imenso terreno bem ao lado da linha férrea que cortava a área periférica de Adamantina, cidade paulista na qual nasci.

O bolo de mandioca era delicioso. Ele era uma das atrações da casa da minha avó. Ela servia o bolo junto com um copo de café bem forte e doce. O café era moído por ela e nunca mais tomei uma bebida como aquela.

Lembro da cozinha da casa dela. Era um pouco escura e abrigava algumas panelas de ferro. Fecho os olhos e vejo o tacho de banha de porco e a grande colher de madeira que servia para mexer os ingredientes das receitas que eram elaboradas no fogão a lenha.

Minha avó morreu há pouco mais de 11 anos. Era uma mulher de baixa estatura, não tinha mais que 1,55 metro de altura. Tem uma parte da família que carrega essa característica genética. Minha mãe está na ala das “baixinhas”. Isso explica meu 1,61 metro de altura.

Dona Jasmelina, Josmelinda, ou apenas vó, tinha uma personalidade marcante. Nasceu em Alagoas e depois da morte do pai mudou-se com a mãe e vários irmãos para o interior de São Paulo. Ainda jovem conquistou o coração do meu avô Armando.

A pequena morena ganhou o amor do belo loiro dos olhos azuis da cor do céu. O casamento logo veio e os primeiros filhos também. Mas o sangue italiano de meu avô e a valentia dos nordestinos que forjava o comportamento da minha avó deixavam a relação deles bem tensa. Com os anos de convivência e os constantes desentendimentos, eles se perderam um do outro.

Minha avó teve 11 filhos, mas alguns morreram ainda pequenos. Ir a casa dela era uma obrigação semanal dos netos e dos filhos e filhas. Tínhamos responsabilidades a cumprir com ela e os nossos bichos de estimação.

Desde pequeno cada um dos netos ganhava uma galinha ou frango de presente. Sempre íamos dar uma olhada nos pobrezinhos, que passavam o dia ciscando pelo imenso quintal da casa. Antes de matar a ave, que seria servida em um jantar ou almoço, minha avó avisava o neto que era proprietário da galinha ou do frango. Talvez, aí resida o meu trauma com aves. Não como carne de nenhum tipo de ave.

Minha avó era vaidosa. Nunca soube a exata idade dela. Quando morreu, descobri que minha avó estava com apenas 68 anos. Dona Jasmelina gostava de ficar com o cabelo bem arrumado. Pintava os fios com cuidado. Mas nos seus últimos anos de vida, ela já estava com problema de queda excessiva de cabelo. Lembro que os fios eram finos, assim como os meus.

Mesmo diabética, ela não se furtava de alguns prazeres da vida. Um deles era um copo de vinho diariamente. Outro era dançar. Gostava de ir aos forrós. Ela teve um problema grave nas pernas que quase levou a amputação de uma delas. Nem a enfermidade a fez desistir dos bailes.

Poucos dias antes de morrer, na madrugada do dia 22 de maio de 2000, ela havia combinado com uma vizinha que iria ao forró no final de semana. Não deu tempo. Dona Jasmelina teve uma crise de asma e o corpo debilitado por uma pneumonia não aguentou.

Deixou netos, bisnetos, filhos, amigos, meu avô Armando e a saudade que me faz sentir agora o cheiro do bolo de mandioca. A saudade brinca comigo me levando aos meus anos de infância. Dona Jasmelina não está fisicamente, mas sempre reconto dentro de mim a sua história que faz parte do livro da minha vida.

Há várias outras saudades no meu livro. Tem uma que ainda é dor: Paulo Martinelli. Quantas vezes, sentada na minha cadeira no jornal, parece que ouço a risada dele. Ontem, fui na cantina bem na hora que os famosos pastéis, que ele tanto apreciava, estavam fritando. Inevitável não lembrá-lo. Mas hoje não consigo escrever com tanta desenvoltura sobre o companheiro de trabalho. Ainda sinto raiva da nave-mãe que o levou tão cedo.

sábado, 11 de junho de 2011

Amar é...




Ainda lembro da minha coleção de figurinhas que traziam desenhos de um simpático casalzinho em diversas situações e estampavam frases que sempre começavam com “Amar é...”. As respostas eram as mais variadas, mas tudo era tão bonitinho, que uma adolescente como eu, naquela época, adorava colecioná-las.

Recentemente, recebi no email uma outra versão daqueles mesmos personagens. Mas eles foram um pouco modificados e já não eram tão inocentes quanto às figurinhas de papel que um dia guardei com tanto carinho.

Muitas vezes pensei na resposta que melhor exprimisse a minha opinião acerca do que é amar. Amar é um verbo que simboliza para mim carinho, afeto, respeito, alegria, companheirismo, reciprocidade, simplicidade, cuidado, compreensão, paz, tolerância e colaboração. Esses conceitos se aplicam a qualquer relação.

Quer sentimento mais nobre que o amor de uma mãe por seu filho? Ou de um casal verdadeiramente apaixonado? E de alguém que respeita e cuida da natureza ou de animais? Amor como o de pessoas que cuidam de desvalidos, maltrapilhos e doentes com enfermidades graves. Só um sentimento sublime explica essa doação.

Na última semana, em meio ao turbilhão de propagandas e apelos publicitários do Dia dos Namorados, uma cena no centro de Campinas me comoveu e mostrou como amar é um ato simples e incondicional. Não dá para representá-lo em uma caixinha com uma bela joia ou em um perfume de grife.

Os dias estão muito frios e dezenas de moradores de rua se unem em cobertas rasgadas jogadas pelo chão para aplacar a sensação causada pelas baixas temperaturas. Estava parada em uma esquina aguardando uma amiga e bem próximo havia duas pessoas encolhidas bem juntinhas dividindo um coberto azul velho.

A mulher negra, cabelo enrolado até a altura do ombro olhava para as pessoas que andavam apressadas fugindo do frio. Ela ouviu duas amigas comentarem sobre as opções de presentes para os namorados e falou com o companheiro que nunca havia recebido nada na data que celebra os apaixonados.

Ele chegou o rosto perto dela e também afirmou que jamais havia sido presenteado por uma mulher. Negro, barba por fazer e cabelos desarrumados, o homem completou que este ano seria diferente. Ela se virou e olhou para o rapaz assustada. Os dois pareciam um pouco alegres por conta de um trago de bebida.

O homem então disse que ela era o grande presente que ele tinha na vida. Lembro da frase como se a ouvisse agora: “Sou preto, moro na rua e não tenho um centavo no bolso, mesmo assim você me aceitou do meu jeito. Você é o grande presente que tenho na vida. Amo você, minha preta”.

Duas pessoas que não têm nem um teto para viver juntas, que compartilham da dureza das ruas e do preconceito de quem passa e as ignora, foram capazes de me mostrar o verdadeiro sentido do amor. Em meio a uma vida tão difícil, eles têm um ao outro. Chorei discretamente ao vê-los ali abraçados no chão imundo e envoltos a tanta ternura.

Os dois pareciam ter entre 25 e 35 anos. Também deviam ser catadores de produtos para reciclagem, pois havia um carrinho bem ao lado deles. O casal tinha ainda a companhia de um cachorro, que me pareceu bem tratado e que estava encolhido em uma outra coberta. Do jeito deles, o rapaz, sua companheira e o animal formavam uma pequena família.

Senti até uma pontinha de inveja (boa) deles. Nunca ouvi nenhum homem dizer que me amava com a convicção que aquele rapaz afirmara à sua amada. Tomara que eles sejam felizes juntos, mesmo com tantas adversidades e a vida rude das ruas.

Há dois meses, me comovi muito com um senhor de mais de 70 anos que eu vi pregando cartazes em um ponto de ônibus. Ele procurava pela mulher, também acima dessa idade, que sumiu de casa. Ela tem problemas mentais. Um pequeno descuido da família foi suficiente para que a mulher saísse sem rumo e não fosse mais vista.

O desaparecimento aconteceu no final do ano passado em um município próximo a Campinas e até agora ela não voltou para casa. Quando o vi colocando aquela folha de papel tão simples, fui perguntar sobre a mulher da foto. Ele não resistiu e começou a chorar.

O senhor de cabelos brancos, expressão de sofrimento no rosto e um olhar perdido, me contou que a esposa fora sua única namorada e que ela sempre sofreu de problemas psiquiátricos. Mas a situação piorou com a morte de um filho em um acidente automobilístico. Ela entrou em depressão e passou a não lembrar mais quem era e nem onde vivia.

Ele me disse que se sentia culpado pelo desaparecimento, pois o descuido dele, deixando o portão da casa aberto, foi o caminho da fuga da mulher. Apaixonado, ele contou como se conheceram, em uma pequena cidade do interior paulista, e lembrou as tantas alegrias que viveram juntos.

O senhor afirmava que morrera no dia em que a mulher sumiu. Ele disse que todos na família fizeram inúmeros esforços para encontrá-la, mas que até aquele momento ninguém sabia o paradeiro dela. Ele contou que a esposa é uma mulher de traços delicados, voz baixa e saúde muito frágil.

Sem conseguir segurar as lágrimas, ele me disse que sempre amara a mulher, e mesmo os poucos deslizes frutos de erros cometidos na juventude, nunca reduziram nem um milímetro o tamanho do imenso amor que sentia por ela. O senhor afirmou que não conseguia viver sem ela e que sonhava com o dia em que ela voltaria para casa.

Vi nos olhos daquele homem cansado mais que culpa. Vi uma solidão terrível. Ele me disse que daria a vida para abraçar novamente a mulher. O casal estava junto há mais de 50 anos. Depois de perder um tempo comigo contando a história deles, o senhor foi embora para continuar a sua incansável busca pela amada.

Torço para que a tenha encontrado. O cartaz não está mais no ponto de ônibus.

Essas histórias são o retrato que o significado do verbo amar nunca caberá em uma única frase.

domingo, 5 de junho de 2011

Santo Antonio, rogai por nós (os apaixonados)


Museu dedicado a Santo Antonio em Lisboa
O casal parado em um trecho da Avenida das Amoreiras, em Campinas, gesticulava freneticamente. A noite estava bem fria, só que o clima entre os dois tinha uma temperatura elevadíssima. Enquanto o rapaz, de pele morena e visual despojado, tentava abraçar a loira de curvas avantajadas, ela fugia e com dedo em riste vociferava sem parar.

Quantas cenas idênticas vi nas ruas de vários lugares por onde passei nos últimos tempos? Sempre fico imaginando qual seria o motivo da briga: ciúmes, traição, falta de dinheiro, desilusões, pouco amor, filhos, familiares, desencontros. Cada história tem seu enredo e apenas acompanho de longe o movimento dos casais.

Às vezes, até assisto de camarote a tragicomédia. No mês passado (maio de 2011), enquanto esperava pelo ônibus próximo a unidade do Sesc aqui de Campinas, compartilhei com outros passageiros uma confusão entre um triângulo amoroso.

Um jovem rapaz prestava explicações para duas mulheres, que cobravam do homem uma postura de “macho”, segundo a mais velha delas, que deveria ter mais de 30anos, e queriam que ele falasse com qual das moças ele iria ficar.

A mais nova, que deveria ter entre 20 e 25 anos, relembrava momentos que eles passaram juntos e dizia que o rapaz não poderia negar a ligação entre os dois. A outra, quase segurando o moço pelo colarinho, ressaltava que já os havia visto juntos outras vezes.

Ele pacientemente tentava responder a cada um dos questionamentos delas. Mas as mulheres não queriam ouvir nada. Uma falava mais alto que a outra e, praticamente, encurralavam o rapaz contra uma mureta. Infelizmente, não vi o fim desse filme. O ônibus chegou e eu parti.

Mas, se pudesse escrever um final, faria as duas mandarem ele às favas e mostraria para o mocinho que tratar o sexo feminino com desrespeito é um erro imperdoável. Nada melhor que o desprezo. Tenho amigos que sempre me aconselham a nunca “descer do salto”.

Difícil seguir à risca o conselho, mas dividiria com elas, nem que fosse na minha história imaginária, o prazer de um dia na vida mostrar a um espécime do sexo masculino que ele não é a pessoa mais importante do mundo e que qualquer mulher segue a vida muito bem sem ele.

O amor e os atritos andam, ultimamente, de braços dados. O que será que acontece com os enamorados? Não sou o melhor exemplo para tratar de um tema tão delicado, porém gostaria de compreender esse quadro. Com todos que converso sobre o assunto, a resposta é evasiva ou ampla demais.

A única afirmativa comum à quase totalidade é o desejo de viver um grande amor. Dia desse conversando com um amigo em um jantar delicioso, ele e eu chegamos à conclusão que há uma crise de intimidade, medo de assumir um relacionamento, venda da imagem que se está sempre disponível e falta de cumplicidade.

Paradoxalmente, vivemos um dia a dia tão corrido e complicado que um abraço carinhoso, um telefonema em uma tarde estafante e um bom cafumé no cabelo são os melhores remédios para estresse, chefe mal-humorado, dívida no banco e tantas outras questões menores, porém com importância exagerada no cotidiano moderno.

Ele me disse uma frase naquela noite que nunca vou esquecer: “Estou farto de amores com prazo de validade”. Pensar que na minha infância sempre projetei casar com 25 anos, ter um casal de filhos e viver feliz para sempre. O verdadeiro conto de fadas das mocinhas da minha época.

Quando cresci, escolhi outro caminho. Sou uma mulher independente, sem filhos, 20 gatinhos e uma cachorra vira-lata, uma família amada, amigos queridos, com quase 40 anos e solteiríssima. Tive inúmeras desilusões amorosas e ainda estou me recuperando da última delas. Nem por isso perdi a esperança e o desejo de viver um grande.

Na minha juventude, o caminho que as moçoilas acreditavam ser o mais seguro para alcançar a felicidade plena no amor era pedir, com fervor, ao santo casamenteiro: Santo Antonio. Algumas chegavam a maltratar o coitado fazendo simpatias, que segundo os mais entendidos, eram infalíveis. Nunca fiz nenhuma delas.

No próximo dia 13 de junho, daqui uma semana, o santo que nasceu em Lisboa (Portugal) e morreu em Pádua (na Itália) será celebrado por milhões de fiéis. Todos os anos como o famoso pãozinho de Santo Antonio, e, vez ou outra, também aprecio o bolo que leva a benção do santo. Dizem que é o doce um dos responsáveis por atrair casamento ou um amor.

Nos dias de hoje, só rogando mesmo a Santo Antonio para encontrar uma pessoa que queira ser mais que uma aventura de um mês ou um romance com “prazo de validade”. Quem sabe o santo interceda a favor de quem ainda acredita em amor e mande alguém que seja companheiro (a), amante, carinhoso (a), amigo (a), confidente, bem humorado (a), inteligente, cheiroso (a). Os defeitos a gente descobre depois.

Ah! Mais uma frase sobre relacionamentos para marcar no caderninho: Voltar com ex que não presta é igual tomar café requentado. Não tem mais gosto nenhum. A autora: Sheila Rosely, companheira de trabalho no jornal Correio Popular.

domingo, 1 de maio de 2011

Amores: as delícias e as dores

Os amores servem como matéria-prima de músicas, filmes, livros, poesias, grafites, quadros e tantas outras manifestações artísticas e culturais. Embora todas essas formas de expressá-los possam torná-los mais próximos da realidade das pessoas, é no dia a dia que aprendemos as suas delícias e dores.

Parada no ponto de ônibus na semana passada percebi quando uma moça, com no máximo 20 anos, chegou próxima a mim e começou a soluçar ao falar no celular. Magra e com os cabelos encaracolados como eu, o choro dela era tão sentido que me penalizou.

Fiquei prestando atenção na conversa, que era sussurrada ao telefone. Claro, que o motivo era uma desilusão amorosa. Maquiada, com um vestido que acentuava a silhueta esbelta, e salto alto, ela contava à interlocutora que acabara de ver o namorado com outra mulher.

Nem me espantei. Vivi essa situação algumas vezes e sei quais são as cicatrizes que as traições deixam em uma pessoa. Ela relatava a amiga que fora fazer uma surpresa ao namorado, e encontrá-lo, sem aviso prévio, no fim do expediente do serviço dele, mas o rapaz saiu abraçado com uma moça que trabalha com ele no escritório.

O mundo da bela morena, literalmente, foi devastado pelo tsunami chamado traição. Ela contava a amiga que ficara sem reação enquanto o moço fingira que não a vira e entrara no carro da outra. A garota dizia que teve vontade de se jogar na frente do veículo, porém suas pernas ficaram presas ao chão, como se ela fosse uma árvore.

A cada cena da história, ela chorava com mais sofrimento. As mãos dela tremiam. Temi que a garota desmaiasse no ponto de ônibus. A menina estava tão frágil que poderia cair ali, tamanha era a sua dor e seu desespero.

Senti vontade de me aproximar e consolá-la. Queria compartilhar com ela as minhas experiências negativas com os homens. E posso dizer que, infelizmente, sou pós-graduada em canalha. Sei como um homem egoísta, e que vive histórias com várias mulheres ao mesmo tempo, é nocivo à saúde feminina.

Quase caminhei em direção a ela para dividir com a moça as vivências tristes de quem é traído e desprezado. Resolvi que seria demais para a jovem e também a mim remoer dissabores amorosos que devem ser esquecidos. Lembrar de homem que não presta é se torturar.

Meu gesto para auxiliá-la foi oferecer lenços de papel. Ela aceitou a ajuda e enxugou o rosto. Prometeu a amiga ao telefone que nunca mais voltaria a falar com o traidor e garantiu que daria a volta por cima.

Abrindo um parêntesis. A cada desilusão que eu sofria me lembro que cantava “Volta por cima”, interpretada com maestria pelo Noite Ilustrada. Outro hino para mim era “Olhos nos olhos” do Chico Buarque. Tem mais uma do Chico: “Apesar de você”.

Queria ter falado para aquela moça que a vida era curta demais para perder tempo com quem não consegue nem se amar e se respeitar. Levei muitos anos para entender essa regra básica. Entretanto, naquele momento de sofrimento, ela nem compreenderia. Preferi deixar que a vida a ensinasse. Só espero que ela colecione menos cicatrizes que eu.

E ainda que as marcas existam. Sempre vale muito investir em um amor. Eu nunca vou desistir daquela sensação frenética de coração disparado. A ansiedade de esperar o telefone tocar ou de ouvir o aviso da chegada de uma mensagem de texto. As flores, a cama, o vinho, a música cantada ao pé do ouvido. Não dá para passar a vida sem um amor, uma paixão ou um bom affair.

sábado, 9 de abril de 2011

A moça do celular rosa

O sol já estava forte e o ônibus cheio de passageiros. Eram quase dez horas da manhã. Eu ia em direção ao Centro de Campinas. Entrei em um ponto perto de casa e duas paradas depois subiu uma adolescente.

Impossível não perceber a entrada da moça. Sem nenhuma discrição, ela falava alto no telefone celular com uma amiga sobre a vida amorosa de uma outra colega. A voz dela destoava de todo o restante dos passageiros.

Eu ainda estava na área do ônibus antes da roleta, onde fica o dispositivo eletrônico de cobrança da passagem. A adolescente parou bem ao meu lado e continuou o animado papo com a amiga.

Magra, cerca de 1,70m, pele morena, cabelos alisados pretos e olhos castanhos, a menina conversava freneticamente. Ela estava com uma calça jeans e uma camiseta baby look de um time de futebol. Carregava uma mochila e tinha um par de tênis All Star nos pés.

Pensei comigo: a manhã de terça-feira (5 de abril) começa animada. Ela contava para a amiga que uma colega delas traia o namorado. Como o rapaz era seu amigo, a menina se sentia culpada por saber das traquinagens da moça e esconder dele.

Ela questionava a interlocutora se contava ou não a história para o amigo. Com medo da reação dele e sem querer perder a amizade da colega, ela estava em dúvida sobre qual decisão tomar.

Até aquele momento dizia ela que se mantinha neutra e se esquivava de quaisquer perguntas inquisitórias do amigo. Mas a situação poderia ficar mais aguda se a “adúltera” continuasse a manter casinhos sem importância com outros meninos.

A adolescente criticava a amiga e dizia para a pessoa do outro lado da linha que a moça era irresponsável. Na visão da garota, o comportamento da namorada do amigo era arriscado e inadequado para uma pessoa que mantinha um relacionamento sério.

Cansada de debater os problemas alheios, ela começou a falar de sua própria vida amorosa. Desgostosa dos caminhos que o tomava seu coração, a garota reclamava que só encontrava rapazes que não se enquadravam no que ela buscava no mercado.

Um detalhe que me chamou atenção foi a cor do celular dela. O aparelho era rosa. A menina trocava constantemente o equipamento de orelha. A viagem durou mais de 20 minutos e, desde a entrada até a saída do coletivo, ela ficou presa à máquina de telefonia móvel.

Nós descemos no mesmo lugar no Centro de Campinas, mas tomamos rumos opostos. Não sei qual foi o fim da conversa dela com a confidente, mas naquela viagem o celular foi o fio condutor da voz dela para a interlocutora e também para os passageiros do ônibus. Quem imaginaria isso a pouco mais de uma década?

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O elixir do amor: Halls preto

Passava das nove da noite da quarta-feira (30 de março), quando uma cena me chamou a atenção no ponto de ônibus. Depois de mais um dia de correria na Redação, fiz a minha caminhada até o Centro de Campinas. Passei no supermercado e comprei cinco litros de leite.

Cheia de sacolas nas mãos, segui para o ponto de ônibus, que fica em uma via movimentada do Centro de Campinas. A parada estava cheia de trabalhadores e estudantes. Sem lugar para sentar, encostei na proteção que separa o local da outra pista da rua.

Bem próximo a mim estavam um senhor e uma moça. Ele tinha pelo menos uns 70 anos e ela não passava dos 30 anos. O homem era mais baixo que eu. Sou uma pessoa que estou longe de seguir os padrões atuais das moçoilas. Tenho apenas 1,61 m de altura.

O senhor não era bonito, mas tinha um ar de avô carinhoso. Estava bem trajado. Calça social, camisa branca e sapato social. Ele usava óculos e ainda tinha uns poucos fios de cabelo bem aparados.

Ela era bem mais alta que eu e o senhor. A moça usava uma blusa de alça, calça jeans e uma bela sandália. Ela tinha uma estrutura robusta. Não era elegante. Tinha um jeito moleca, sem requintes no andar ou na mexida dos braços. Ela não desgrudava de uma sacola que carrega bem junto ao corpo.

Ele não tirava os olhos do rosto dela. Os dois conversavam baixinho. Nem se interessavam pelos coletivos que desciam a rua. Muito menos para quem chegava ou saia do ponto. Ela procurava manter uma distância do corpo dele, que devagarinho chegava mais próximo da moça.

De repente, ele colocou a mão no bolso e tirou uma embalagem de Halls preto. Os mais entendidos na arte do amor e do sexo dizem que a bala pode ser um ótimo estímulo para ganhar um beijo ou para emoções mais fortes entre os apaixonados.

Ele tirou uma das balas; levou-a a boca e continuou a conversa com a moça. O senhor já estava bem mais próximo dela do que no momento em que cheguei ao ponto de ônibus. E ele também estava mais ousado. Passava a mão de leve nos braços da jovem mulher.

Em uma ação mais contundente, se aproximou da moça e tocou de leve a sua boca nos lábios dela. Ela não se opôs e no breve instante daquele tímido beijo deixou que o senhor conduzisse a situação. Após a iniciativa dele, os dois corpos se aproximaram.

O ônibus que me conduziria à minha casa chegou na parada na hora em que o homem e sua jovem acompanhante protagonizavam discretamente um encontro carinhoso. Em outras épocas, o fato chamaria mais a atenção. Afinal a diferença de idade era gritante.

Hoje, é natural ver homens mais velhos com mulheres bem mais novas. Há quem diga que são relações fadadas ao fracasso. Outros preferem acreditar que o melhor é deixar a vida seguir seu rumo sem olhar para idade, credo e cor. Penso que amar sempre vale a pena, desde que seja uma relação que se baseie em respeito, companheirismo e reciprocidade.

Entrei no ônibus e fui para a minha casa com a imagem dos dois gravada na memória. Não sei como terminou aquela noite para eles. Mas sempre vou me recordar do ato tão singelo dele ao tocar os lábios dela roubando literalmente uma bitoca e que o Halls preto lá estava como testemunha.

Moral da história: Halls preto é o elixir do amor em qualquer idade.