sábado, 9 de abril de 2011

A moça do celular rosa

O sol já estava forte e o ônibus cheio de passageiros. Eram quase dez horas da manhã. Eu ia em direção ao Centro de Campinas. Entrei em um ponto perto de casa e duas paradas depois subiu uma adolescente.

Impossível não perceber a entrada da moça. Sem nenhuma discrição, ela falava alto no telefone celular com uma amiga sobre a vida amorosa de uma outra colega. A voz dela destoava de todo o restante dos passageiros.

Eu ainda estava na área do ônibus antes da roleta, onde fica o dispositivo eletrônico de cobrança da passagem. A adolescente parou bem ao meu lado e continuou o animado papo com a amiga.

Magra, cerca de 1,70m, pele morena, cabelos alisados pretos e olhos castanhos, a menina conversava freneticamente. Ela estava com uma calça jeans e uma camiseta baby look de um time de futebol. Carregava uma mochila e tinha um par de tênis All Star nos pés.

Pensei comigo: a manhã de terça-feira (5 de abril) começa animada. Ela contava para a amiga que uma colega delas traia o namorado. Como o rapaz era seu amigo, a menina se sentia culpada por saber das traquinagens da moça e esconder dele.

Ela questionava a interlocutora se contava ou não a história para o amigo. Com medo da reação dele e sem querer perder a amizade da colega, ela estava em dúvida sobre qual decisão tomar.

Até aquele momento dizia ela que se mantinha neutra e se esquivava de quaisquer perguntas inquisitórias do amigo. Mas a situação poderia ficar mais aguda se a “adúltera” continuasse a manter casinhos sem importância com outros meninos.

A adolescente criticava a amiga e dizia para a pessoa do outro lado da linha que a moça era irresponsável. Na visão da garota, o comportamento da namorada do amigo era arriscado e inadequado para uma pessoa que mantinha um relacionamento sério.

Cansada de debater os problemas alheios, ela começou a falar de sua própria vida amorosa. Desgostosa dos caminhos que o tomava seu coração, a garota reclamava que só encontrava rapazes que não se enquadravam no que ela buscava no mercado.

Um detalhe que me chamou atenção foi a cor do celular dela. O aparelho era rosa. A menina trocava constantemente o equipamento de orelha. A viagem durou mais de 20 minutos e, desde a entrada até a saída do coletivo, ela ficou presa à máquina de telefonia móvel.

Nós descemos no mesmo lugar no Centro de Campinas, mas tomamos rumos opostos. Não sei qual foi o fim da conversa dela com a confidente, mas naquela viagem o celular foi o fio condutor da voz dela para a interlocutora e também para os passageiros do ônibus. Quem imaginaria isso a pouco mais de uma década?

quinta-feira, 7 de abril de 2011

O elixir do amor: Halls preto

Passava das nove da noite da quarta-feira (30 de março), quando uma cena me chamou a atenção no ponto de ônibus. Depois de mais um dia de correria na Redação, fiz a minha caminhada até o Centro de Campinas. Passei no supermercado e comprei cinco litros de leite.

Cheia de sacolas nas mãos, segui para o ponto de ônibus, que fica em uma via movimentada do Centro de Campinas. A parada estava cheia de trabalhadores e estudantes. Sem lugar para sentar, encostei na proteção que separa o local da outra pista da rua.

Bem próximo a mim estavam um senhor e uma moça. Ele tinha pelo menos uns 70 anos e ela não passava dos 30 anos. O homem era mais baixo que eu. Sou uma pessoa que estou longe de seguir os padrões atuais das moçoilas. Tenho apenas 1,61 m de altura.

O senhor não era bonito, mas tinha um ar de avô carinhoso. Estava bem trajado. Calça social, camisa branca e sapato social. Ele usava óculos e ainda tinha uns poucos fios de cabelo bem aparados.

Ela era bem mais alta que eu e o senhor. A moça usava uma blusa de alça, calça jeans e uma bela sandália. Ela tinha uma estrutura robusta. Não era elegante. Tinha um jeito moleca, sem requintes no andar ou na mexida dos braços. Ela não desgrudava de uma sacola que carrega bem junto ao corpo.

Ele não tirava os olhos do rosto dela. Os dois conversavam baixinho. Nem se interessavam pelos coletivos que desciam a rua. Muito menos para quem chegava ou saia do ponto. Ela procurava manter uma distância do corpo dele, que devagarinho chegava mais próximo da moça.

De repente, ele colocou a mão no bolso e tirou uma embalagem de Halls preto. Os mais entendidos na arte do amor e do sexo dizem que a bala pode ser um ótimo estímulo para ganhar um beijo ou para emoções mais fortes entre os apaixonados.

Ele tirou uma das balas; levou-a a boca e continuou a conversa com a moça. O senhor já estava bem mais próximo dela do que no momento em que cheguei ao ponto de ônibus. E ele também estava mais ousado. Passava a mão de leve nos braços da jovem mulher.

Em uma ação mais contundente, se aproximou da moça e tocou de leve a sua boca nos lábios dela. Ela não se opôs e no breve instante daquele tímido beijo deixou que o senhor conduzisse a situação. Após a iniciativa dele, os dois corpos se aproximaram.

O ônibus que me conduziria à minha casa chegou na parada na hora em que o homem e sua jovem acompanhante protagonizavam discretamente um encontro carinhoso. Em outras épocas, o fato chamaria mais a atenção. Afinal a diferença de idade era gritante.

Hoje, é natural ver homens mais velhos com mulheres bem mais novas. Há quem diga que são relações fadadas ao fracasso. Outros preferem acreditar que o melhor é deixar a vida seguir seu rumo sem olhar para idade, credo e cor. Penso que amar sempre vale a pena, desde que seja uma relação que se baseie em respeito, companheirismo e reciprocidade.

Entrei no ônibus e fui para a minha casa com a imagem dos dois gravada na memória. Não sei como terminou aquela noite para eles. Mas sempre vou me recordar do ato tão singelo dele ao tocar os lábios dela roubando literalmente uma bitoca e que o Halls preto lá estava como testemunha.

Moral da história: Halls preto é o elixir do amor em qualquer idade.