sábado, 24 de dezembro de 2011

Os natais da minha infância

Saudade dos natais da minha infância. A chegada do final de ano era sempre tão especial. E o motivo não era o trenó do Papai Noel cheio de presentes. Sou de uma família humilde e nunca fomos crianças que tivemos uma árvore de Natal com mil regalos.

Mas a árvore de Natal tinha tantas cores. Um dos motivos pelos quais o final de ano era tão aguardado era a montagem da árvore. Em casa, tínhamos um pinheiro que ganhava bolinhas de vidro de várias cores, enfeites dos reis magos, estrelas, o menino Jesus, palhaços e outras figuras. O arremate final, para imitar a neve, era feito com algodão.

Tínhamos orgulho dela. Eu e minha duas irmãs sempre ajudávamos minha mãe a montá-la. Era uma diversão. Queríamos que ela ficasse mais bonita que no ano anterior. O problema era que alguns enfeites de vidro quebravam. Quando era possível, meus pais os substituíam por peças novas.

O pinheiro ficava plantado em uma lata de alumínio. A lata também ganhava uma nova roupagem no final de ano. Ela era encapada com papel especial. Ano a ano, o pinheiro crescia e se tornava mais imponente. Cada galho novo era uma parte da história da minha família.

No dia 6 de janeiro, data em que se comemora o Santos Reis, nós desmontávamos a árvore. Guardávamos com cuidado os enfeites e as bolinhas. Como sempre tivemos animais (gatos e cachorros), várias peças eram destruídas durante o tempo em que a árvore permanecia na sala da minha casa.

Antes de nos mudarmos de Adamantina para Campinas, em meados dos anos 80, o pinheiro saiu da sua prisão de lata e suas raízes tocaram o chão abençoado por Deus. Nunca mais o vi, mas espero que ele esteja firme até hoje com toda a sua exuberância. Ele é parte da minha vida.

Outra doce lembrança que tenho dos natais da minha infância é o cardápio da época. No mundo atual, os menus têm toques requintados. No pequeno mundo em que vivíamos não existia nada disso.

Na mesa de Natal, frango caipira, leitoa, saladas com verduras e legumes tirados ali da horta de casa ou lá do terreno da minha avó, uma torta, doces caseiros, maionese de legumes, carne assada ou churrasco, farofa e mais algumas guloseimas de engordavam muito.

Às vezes, íamos na casa da minha avó. Em outros natais, ficávamos na casa da minha tia Carmita, irmã do meu pai. E em muitos anos ficamos na nossa casa. Morei em casas pequenas e em outras bem maiores. Habitamos em tetos de madeira e de alvenaria. Porém, todos eles tinham quintais com árvores frutíferas e jardins.

Natal também era uma época de receber visitas. Minha madrinha que mora em Bauru, vez ou outra, ia passear em Adamantina. Uma pessoa sempre aguardada, mas que nem sempre comparecia, era meu avô. Seo Armando era e continua sendo um ser errante; sem parada ou destino.

A imagem que eu mais tenho dele de quando era pequena é justamente o Seo Armando chegando no final de ano com sua camisa de manga curta e calça social clara. Os cortes sempre muito bem feitos. Ele usava um chapéu de palha bem desenhado e não dispensava que beijassem sua mão e pedissem benção.

Ai de quem não se envergasse, beijasse a sua mão e pedisse benção. O neto ou filho que não lhe concedesse tal tratamento era considerado sem educação e era fuzilado por um olhar reprovador.

Meu avô demorava muito tempo para aparecer em casa. A sua aparição no Natal era um presente. Naquela época eu nem percebia isso. Hoje, com o peso da experiência e sabendo dimensionar a exata importância que as pessoas têm na minha vida, vejo que a chegada dele no final de ano deveria ser motivo para uma celebração. Pena que durava tão pouco.

Outra tradição do final de ano era a limpeza geral da casa. Leia-se: uma faxina que desmontava toda a casa e depois tudo era devidamente colocado no lugar. Lembro que minha mãe fazia a gente esfregar as paredes com uma bucha. Tudo tinha que ficar branquinho. Se tivesse uma só sujeirinha, tinha castigo. Esse foi um dos poucos costumes daquela época que até hoje ainda acontece todos os anos em casa.

Na minha infância, a televisão e os apelos publicitários não pautavam os desejos das crianças no Natal. Como minha família não tinha posses, nossos sonhos eram tão simples. Bonecas de plástico, panelinhas de plástico, jogos de xícaras de plástico, petecas, quebras-cabeça, jogos de dominó, bichos de pelúcia. E nem sempre meus pais tinham como comprar um brinquedo.

Não se pode esquecer que também era necessário providenciar roupa nova e sapatos. Tudo era simples, mas meus pais faziam questão de deixar nós três (eu, Ana Cristina e Ariane Fernanda) bem arrumadas. Lembro da minha primeira melissinha. Imagina só. Ganhei uma daquelas sandálias de plástico e me senti a menina mais bonita do mundo. Já tinha uns oito ou nove anos.

A primeira bicicleta veio um pouco depois. Meu trabalhava em São Paulo, em uma autopeças que fornecia produtos para uma grande montadora da região do ABC. Ele ia uma vez a cada 15 dias para casa. Os presentes nessa fase foram os mais sofisticados.

Mas, a despeito dos presentes, adorava a alegria do Natal. As pessoas sempre rindo. Muita música. Os adultos dançavam, cantavam, bebiam, conversavam. A mesa tão farta. A missa do Galo na Igreja Matriz. A reza antes da ceia. A lembrança do menino Jesus e o significado dele naquela noite.

As crianças brincavam, brigavam e caiam mortas de sono em um sofá ou na cama. Chegar à meia-noite era uma tarefa difícil. Ainda mais para quem vivia em cidade pequena e dormia com as galinhas.  

Dormir também significava esperar que o Papai Noel se lembrasse de que cada um de nós tinha sido um bom menino ou uma boa menina. Delícia era acordar logo cedo para ver o presente e sair correndo para o quintal. Não interessava se o brinquedo era simples. Valia mesmo é a satisfação de ser lembrado e querido.

Embora tudo isso tenha se passado há tanto tempo, ainda sinto a alegria daquelas noites e daquelas manhãs do dia 25 de dezembro. Lógico que nem todos os natais tiveram esse brilho. Porém, hoje sei dar valor a cada um deles – alegres ou com as dores da vida.

Já adulta, quando meu pai adoeceu, recordo da tristeza de vê-lo tão debilitado. Lembrava dele em outros tempos cheio de vida, cantando seu sambinha do Benito di Paula, Almir Guineto ou do Agepê. Ainda assim, vejo que esses natais foram abençoados porque meu pai mesmo carregando sua pesada cruz estava conosco. E ainda continua.

Hoje a vida é diferente. Nem penso em presentes, apesar deles serem parte da festa, e me sinto tão abençoada. Os percalços da vida me fortalecem e servem para que eu me lembre que tenho uma família maravilhosa, amigos tão carinhosos, saúde e sonhos. As alegrias só reforçam a certeza de que o bem é o melhor alicerce para construir a vida.

Os natais da minha infância serão sempre muitos especiais para mim. Cada detalhe deles me ajudou a entender que as boas vibrações dessa época não devem ficar circunscritas ao final de ano. Resgatar diariamente os valores difundidos no Natal é o caminho para vivê-lo o ano todo.

Viva a paz, o amor e o bem. Sentimentos nobres devem ser praticados todos os dias, apesar das turbulências, da natureza humana tão individualista e de um mundo cada vez mais conflituoso. A tarefa é complexa, mas é nela que se resume a nossa existência.      


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