sábado, 1 de agosto de 2009

A procissão de luzes


Domingo de Carnaval deste ano. O Sol estava encoberto por nuvens, o clima estava abafado e o som do samba ecoava pelas ruas da Vila Industrial, próximo a Estação Cultura, em Campinas, situada a quase 100 quilômetros de São Paulo. Depois de mais de 30 anos, o Nem Sangue Nem Areia, formado por um grupo de amigos que resolveu resgatar a antiga agremiação, que um dia foi símbolo do tradicional bairro operário, animava quem teve coragem de sair de casa depois de uma noite de sábado na farra de Momo. Eu era uma dessas pessoas que não se incomodaram em deixar de lado aquela preguiça gostosa de domingo e decidiram requebrar os quadris com o batuque dos tamborins, chocalhos, cuícas e surdos.
O desfile saiu mais de três horas da tarde, e mesmo com o percurso curto, no meio do caminho eu desisti da empreitada e fui dar uma caminhada na velha estação de trem, que fora o ponto de encontro dos foliões. O espaço que ganhou o nome de Estação Cultura, na administração do governo da ex-prefeita petista Izalene Tiene, e que havia voltado a ser patrimônio cuidado pela Prefeitura por meio das mãos do prefeito assassinado Antonio da Costa Santos, já foi uma das principais ligações ferroviárias do país.
Entrar naquele ambiente sempre me traz grandes recordações. Enquanto os amigos se divertiam com o samba e a folia nas ruas da Vila, eu andei pelos trilhos e brinquei em um velho vagão decorado. Outras locomotivas sem uso e degradadas pelo tempo estavam paradas no pátio. A estação em nada lembrava o frenesi de outros tempos, quando vivia cheia de gente e de vida.
Nasci em uma pequena cidade do interior de São Paulo, Adamantina, na região de Presidente Prudente. Como já tenho mais de 30 anos, lembro-me da importância do transporte ferroviário para os brasileiros. Quando eu era criança, sempre que meus pais visitavam parentes em Rio Claro e Campinas, as viagens eram feitas de trem.
Era sempre uma festa. Eu e minhas irmãs, Ana Cristina e Ariane Fernanda, adorávamos os petiscos vendidos nos vagões. Os trens estavam constantemente cheios no final dos anos 70 e começo da década de 80. Era gente entrando e saindo em cada uma das estações do percurso, que trazia passageiros da região de Adamantina até a distante São Paulo.
O trem foi a porta de saída da minha pequena cidade para o local que minha família adotou como nossa nova casa. Em fevereiro de 1985, mudamos de Adamantina para Campinas, onde viviam alguns tios maternos. A mudança foi traumática, pois eu entrava na adolescência e já estava apaixonada por um mocinho da minha idade, apenas 13 anos.
Foi difícil me separar da minha história, dos meus amigos, dos meus lugares de infância e das pessoas que eu amava. Mas minha mãe achava que teríamos mais chances na vida se vivêssemos em uma cidade grande, com universidades e mais possibilidades de trabalho. O tempo mostrou que a aposta dela estava certa.
A nossa viagem de trem começou pela manhã e terminou à noite. Nunca esqueci do barulho das rodas da máquina de metal nos trilhos do mesmo material durante aquela viagem. Ainda me lembro do homem que picotava os bilhetes e os conferia. Eu estava triste, cada apito ou estação que nós passávamos me levava mais longe do meu porto seguro.
Vi o dia ir se findando, e quanto mais próximo da minha nova casa, mais iluminado era o caminho. De longe, ao olhar pela janela do vagão, os postes brilhavam como se fossem velas em uma procissão. Na escuridão dos trechos por onde os trilhos cortavam Campinas, que em meados da década de 80 tinha mais de 600 mil habitantes, a minha única companhia, em meio ao turbilhão de medo e saudade que eu sentia, era a procissão imaginária que me alentava e me dava esperança de uma vida nova, como sonhara minha mãe.
Ainda hoje, quando passo próximo da velha estação da Fepasa (Ferrovia Paulista S.A.), lembro do dia em que cheguei a Campinas com receio do futuro e já chorosa do passado. Também me recordo de outros tantos rostos, que como o meu, se encantavam com o vaivém de pessoas na parada de trens e com a cidade grande. Nunca vai sair da minha memória a procissão de luzes, que para mim foi o sinal do novo tempo que chegava para a minha família.Com alegrias e tristezas, a vida traça a nossa história. Hoje, olho a roda da minha vida e vejo como ela girou muito desde o dia em que desci naquela estação de trem. Sou jornalista; tenho uma família amada; amo meus poucos, mas fiéis amigos; tenho 21 gatos lindos; sou tarada por chocolates; convivo diariamente com várias realidades e agora estou aqui nesta telinha para contar um pouco do que a gente vive no nosso dia-a-dia. Espero compartilhar os meus relatos e receber histórias de quem deseja fazer parte dessa grande roda. Anote na agenda o nosso email rodadehistorias@gmail.com.

A bela foto da Estação Cultura que ilustra este texto é da talentosa Dominique Torquato, fotógrafa do Correio Popular de Campinas.

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